quarta-feira, 7 de novembro de 2012

moça velha


Olhava entre as cortinas salmão de sua sala rococó, via os pingos de água que caiam e misturavam uns aos outros para caírem de vez. Em suas mãos o chá quente de camomila açucarado. Como gostava. E ali sentava pra pensar. Desde novinha arrastava tardes e tardes pensando em coisas banais, coisas das quais ninguém da importância, ou consegue perceber. Como os pingos. Um passatempo tosco visto a olho 
nu, mas a fazia esquecer um pouco a cruel realidade de ser um ser pensante.
Já quis revestir sua alma com chita-filo. ternura, meiguice que enterrou por um amor que apareceu pela porta jurando felicidade branda e depois sumiu jurando ódio. Juras, dessas falsas. Dessas enganosas, que levam qualquer pessoa sã a meter os pés pelas mãos.
Embora tivesse seus vinte e poucos anos, nessas tardes gostava de se balançar como uma velhinha. Tinha muita coisa parecida com as velhinhas até. Usava sapatos confortáveis de tecido dócil. Reclamava do som alto dos vizinhos. Bordava seus próprios vestidos. Gostava de flores espalhadas pela casa, e aquele cheiro de café novinho,mesmo que preferisse seu chá. Fazia formas e formas de bolos. Chocolate, baunilha, cenoura. Fazia tantos bolos que nem cabiam em sua cozinha. Curavam-a da solidão.
Adquiria demasiadas manias, escrevia em seu diário sorrateiras pretensões, que jamais tiraria do papel...
Criava seus problemas, seus fantasmas e seus traumas. alimentava-os e olhava entre a cortina novamente, criando coragem pra tirar sua mania de velhice, levantar e sair.
Fingindo estar feliz com seu papel de moça nova.

Diagnosticado: tinha a alma velha... bem mais velha que o carcere.