Olhava entre
as cortinas salmão de sua sala rococó, via os pingos de água que caiam e
misturavam uns aos outros para caírem de vez. Em suas mãos o chá quente de
camomila açucarado. Como gostava. E ali sentava pra pensar. Desde novinha
arrastava tardes e tardes pensando em coisas banais, coisas das quais ninguém
da importância, ou consegue perceber. Como os pingos. Um passatempo tosco visto
a olho
nu, mas a fazia esquecer um
pouco a cruel realidade de ser um ser pensante.
Já quis revestir sua alma com
chita-filo. ternura, meiguice que enterrou por um amor que apareceu pela porta
jurando felicidade branda e depois sumiu jurando ódio. Juras, dessas falsas.
Dessas enganosas, que levam qualquer pessoa sã a meter os pés pelas mãos.
Embora tivesse seus vinte e
poucos anos, nessas tardes gostava de se balançar como uma velhinha. Tinha
muita coisa parecida com as velhinhas até. Usava sapatos confortáveis de tecido
dócil. Reclamava do som alto dos vizinhos. Bordava seus próprios vestidos.
Gostava de flores espalhadas pela casa, e aquele cheiro de café novinho,mesmo
que preferisse seu chá. Fazia formas e formas de bolos. Chocolate, baunilha,
cenoura. Fazia tantos bolos que nem cabiam em sua cozinha. Curavam-a da
solidão.
Adquiria demasiadas manias,
escrevia em seu diário sorrateiras pretensões, que jamais tiraria do papel...
Criava seus problemas, seus
fantasmas e seus traumas. alimentava-os e olhava entre a cortina novamente,
criando coragem pra tirar sua mania de velhice, levantar e sair.
Fingindo estar feliz com seu
papel de moça nova.
Diagnosticado: tinha a alma
velha... bem mais velha que o carcere.